SOBRE O MEDO

Sobre o Medo

Do ponto de vista da psicologia evolutiva, o medo é a emoção que possibilitou a perpetuação da espécie humana sobre a face da terra. Fisiologicamente falando, o medo que assolou o homem das cavernas ao se deparar com seu predador foi o que possibilitou que seu corpo sofresse a descarga de adrenalina necessária para que ele saísse correndo e se enfiasse na primeira toca ou caverna que conseguiu encontrar. O medo acelera o coração, aumenta o trabalho respiratório que fornece energia para que os músculos do corpo funcionem em dois únicos sentidos: luta ou fuga. Ou enfrenta o predador, ou corre dele. A partir da sensação de medo deve-se fazer alguma coisa, qualquer coisa; tudo menos ficar parado no mesmo lugar, esperando para ver o que acontece.

O grande problema é que, com a evolução do homem, do cérebro reptiliano e das funções cognitivas e mentais do ser humano, o medo saiu da esfera do risco físico e se instalou na esfera do afetivo-relacional. Hoje em dia não existem mais predadores naturais, e a menos que se viva em um país em guerra ou em condições naturais extremas, não nos deparamos mais com ameaças físicas que justifiquem um estado mental de constante sobressalto – a não ser pelos ladrões que eventualmente podem colocar nossa vida em perigo, ou acidentes como atropelamentos. À medida em que o homem foi se tornando um ser simbólico, o medo entrou para o terreno do que é simbólico – o terreno das emoções.

Podemos dizer que existem dois tipos de medo. O sentimento que experimentamos quando há uma ameaça física – que nos faz correr de um carro que perde o controle e invade a calçada, o medo que grita, “corra, cuidado, mergulhe, saia do caminho!”. E o medo que está na mente, que são nossos pensamentos a respeito do que pode nos acontecer no futuro, baseados na imaginação ou em experiências do passado.

Não devemos ignorar nossos medos – muito pelo contrário. Como já foi dito antes, o medo é o que nos possibilitou a sobrevivência através dos tempos. A função do medo é impedir que você seja ferido. O medo alerta sobre o perigo, esteja ele a meses de distância, logo ali, escondido nas sombras daquela esquina escura, ou debaixo do seu nariz. O medo do futuro pode ser útil e até mesmo saudável – ele nos motiva a agir com segurança.

O problema acontece quando o medo não nos impulsiona em direção nenhuma – quando ele nos paralisa. O medo é, hoje, um dos principais motivos pelos quais as pessoas se mantém em situações desfavoráveis, desagradáveis, em zonas de conforto que se transformaram há muito em “zonas de desconforto”, sem tentar algo novo para mudar. Qualquer coisa que surge e ameaça minimamente a condição adaptada em que se encontra é extremamente ameaçador. As pessoas temem o novo sem perceber que, diante da impermanência da vida, a mutação é a única coisa realmente eterna. A grande maioria das pessoas prefere permanecer no mesmo local onde estão – seja o local de trabalho, uma relação amorosa ou tendo hábitos de vida negativos – apenas porque temem a mudança de suas condições. Temem a perda, e muitas vezes preferem algo ruim ao vazio, sem perceber que é apenas com as mãos vazias que temos condição de segurar algo novo, quando este algo novo chegar. E ele sempre chega.

Imagine uma árvore completamente ressecada, sem folhas, frutos ou folhas; imagine esta árvore, praticamente morta. Agora imagine que, além de completamente ressecada, ela está absolutamente apavorada. Ela começa a sentir uma brisa mais quente, batendo do oeste. Ela está acostumada com o ar gélido e cortante, e esta brisa quente e macia a assusta. O que ela não faz idéia é de que, junto com a brisa morna, também virão os insetos, e o prenúncio da primavera. Com a brisa quente e os insetos virá a promessa de nova vida, todas as flores e folhas e frutos dos quais ela tanto sente falta. Esta imagem lhe parece ridícula? E o quanto você acha que é realmente diferente disso?

Como eu disse antes: o objetivo não é abandonar o medo por completo, e sim desvendar o que há por trás do medo. Se houver motivos reais para aquele medo, devemos respeitá-lo e deixá-lo quieto. Mas se não existirem provas que nos mostrem que ele tem razão de ser, se estas provas forem falsas… O medo também será. Pois nos manterá estagnados, em vez de servir de impacto emocional.

Devemos, assim, compreender o medo, para depois acolhê-lo. É besteira tentar removê-lo, como se fosse um objeto de decoração que não está em um local adequado e simplesmente coloca-se em outro lugar. O medo é uma emoção poderosíssima, e tentar eliminá-lo seria pura perda de tempo. Uma das principais lições que o iniciante das artes marciais aprende é que ele não precisa ser destemido: apenas precisa sentir menos medo.

E de que maneira isso pode ser feito? Ouvindo nossos medos. Significando nossos medos. Compreendendo o que está por trás de nossos medos. É apenas assim que conseguiremos fazer efetivamente algo, não com o medo em si, mas com o que ele vem representando. Em vez de simplesmente colher os frutos da árvore do medo, cavar um buraco fundo o suficiente para que possamos enxergar suas raízes – e o que é que vem as alimentando.

“Ah, o medo do desconhecido! É o medo do desconhecido que impele todo mundo para os sonhos, para as ilusões, para as guerras. Tudo isto é ilusão. Tudo isto é o desconhecido. Aceite o desconhecido e terá uma viagem tranquila” – Jonh Lennon.

Sobre

É psicóloga e uma das maiores vozes brasileiras do autoconhecimento e da liberdade emocional na internet. Desde 2012, impacta diariamente a vida de mais de 400 mil pessoas através de seus canais nas redes sociais e de seus 3 livros publicados. Flavia está na lista das 14 YouTubers brasileiras para conhecer e acompanhar, segundo o jornal O Estado de São Paulo, e seu primeiro livro, Sua Melhor Versão – Desperte para uma nova Consciência, foi best-seller no Brasil, estando nas principais listas de títulos mais vendidos. Com mais de 8000 alunas, conduz pessoas a se conhecerem e se reconectarem com quem realmente são para construir uma vida mais leve nos relacionamentos consigo mesmas e com os outros.