Eu não sei se você já assistiu a um filme chamado “Into the Wild”, traduzido no Brasil como “Na Natureza Selvagem” (um filme que, aliás, tem uma trilha sonora maravilhosa na voz do talentosérrimo Eddie Vedder). Eu assisti, amei, assisti de novo e, sem perder a oportunidade quando ela apareceu, comprei o DVD para poder assistir quando quisesse, novamente. O filme conta a história de um garoto que, questionando a vida em sociedade e as relações humanas, resolve simplesmente se ausentar do mundo e ir caminhando até o Alasca. Sozinho. Sem lenço nem documento, deixando para trás absolutamente tudo: dinheiro, carro, documentos, família, amigos. A história é baseada em fatos reais e narra a tentativa do personagem, Alexander Supertramp, de ser feliz sozinho.
Você acredita que isto seja possível? Ser feliz sozinho? No documentário “Eu Maior” fizeram esta pergunta para o filósofo Mário Sérgio Cortella, ao que ele respondeu (não vou me lembrar das palavras exatas): não é possível ser feliz sozinho pois não é possível ser sozinho. Por mais que alguém esteja sozinho no momento, ele não esteve sozinho sempre em sua vida e, portanto, sua existência já está permanentemente marcada pela percepção subjetiva de convivência e coexistência com outros seres humanos. Pode-se até mesmo pensar em uma criancinha abandonada logo após seu nascimento mas, até mesmo neste caso, no momento de seu nascimento ela interage com outro ser humano, e esta interação deixa marcas profundas em seu psiquismo. Se é possível ser feliz sozinho? Não, e pelo simples fato de que é impossível ser sozinho.
Este é um tipo bastante comum de pessoa que me procura para atendimentos, seja em meu consultório, seja nos atendimentos por Skype – seja, até mesmo, nos grupos de desenvolvimento pessoal dos quais participo: pessoas que, tendo experimentado relações afetivas ou amorosas dolorosas, encontram na equação eu + eu = felicidade sua fórmula de contentamento eterno. Ou quase isso, já que me procuram justamente por não conseguirem ser bem-sucedidas nesta tarefa. Parece que na equação acaba faltando uma variável importante, uma variável que acrescenta tempero à vida e empolgação aos dias. Uma variável que não pode ser substituída por nenhuma outra e que, invariavelmente, quando analisada mais de perto, aponta em uma única direção como saída existencial: pessoas, relações, afeto. Por mais que estas pessoas, em busca de conforto e bem-estar, tenham estabelecido a si mesmas que “a partir de hoje vou olhar para o meu e pensar no que é melhor para mim e pronto”… Algo falta.
Espera só um pouquinho, antes de eu continuar: não estou aqui dizendo que olhar para o que é nosso e pensar no que é melhor para nós é errado. Muito pelo contrário; qualquer pessoa que conheça minimamente meu trabalho e minhas ideias sabe a importância que o “apropriar-se” tem, na minha percepção. Mas assumir a responsabilidade pela própria vida e trancar-se na própria existência, evitando os relacionamentos afetivos na tentativa de fugir da ansiedade e da angústia que eles causam são duas coisas absolutamente diferentes.
Afetividade deriva do radical afeto, e afeto se refere a tudo aquilo que me afeta. O que me afeta, o que tem a capacidade de me transformar é, para mim, afetivo. O que causa em mim uma mudança e me atinge diretamente é afeto. Afetividade, então, é a qualidade através da qual as coisas me tocam e me influenciam. E este afetar pode deixar marcas tanto positivas quanto negativas em mim, dependendo do grau de satisfação ou frustração das expectativas que criei anteriormente: se idealizei algo e este algo aconteceu, guardo um registro positivo da experiência. Se, pelo contrário, o que criei dentro de minha cabeça e de meu coração não aconteceu e eu me frustrei… O registro é negativo e passo, consciente ou inconscientemente, a evitar situação semelhante. Sendo entendidas desta forma, não são as relações que me frustram e deixam uma marca negativa em mim: eu me frustro porque criei, em minha cabeça, expectativas que não se concretizaram. Eu me frustro porque minhas carências não foram atendidas. Eu me frustro porque aquilo que sonhei e que tanto quis que acontecesse… Não aconteceu, e eu fiquei a ver navios. Eu me frustro. Eu me decepciono. Eu construí as expectativas.
Mas, para nosso psiquismo, profundamente condicionado e treinado para evitar a dor a qualquer custo e a sempre encontrar culpados para tudo no processo, mais do que depressa encontra alguém para responsabilizar pela minha dor. O outro é o responsável pela minha dor, não eu e o fato de ter criado expectativas. E, se a culpa é do outro e todo o meu ser está programado para evitar o sofrimento a qualquer preço, para não correr o risco de novo sofrimento a regra é clara: elimina-se o outro, elimina-se o sofrimento. Só que… Não.
A cada vez que você volta suas costas para as pessoas porque uma delas decepcionou suas expectativas, você age contra seu maior objetivo nesta existência: reconhecer-se. A cada vez que você culpa alguém pela sua dor você comete o maior dos pecados, que é o de deixar de olhar para si. A cada vez que você jura para você mesmo que nunca mais deixará ninguém passar por cima de você, o que está fazendo é colaborar para que a doença maior da nossa sociedade continue acontecendo: você alimenta seu Ego, permanentemente orientado para garantir o bem-estar mesmo que emburrecedor, e deixa de olhar para o Ser Maior que habita seu interior, escondido em cada uma de suas expectativas frustradas.
Seus relacionamentos afetivos – sim, os que te afetam, positivamente ou não – são o maior presente que você poderia ter ganhado para te ajudar na tarefa de desenvolver a si mesmo e a expandir-se enquanto consciência. Cada mal estar experimentado em sua jornada é um indicativo de fragilidade existente em você que precisa ser acalentada e cuidada – não pelo outro, mas por você mesmo. Cada dor que “alguém lhe infringiu” é uma pista importantíssima no seu caminho de retorno a seu verdadeiro Eu; não este condicionado pelo sistema de crenças dual de nossa sociedade moderna que diz que apenas os fortes valem a pena, mas o Eu anterior à vida na dualidade, o ser eterno, que sempre existiu e que sempre existirá, mesmo depois de você não estar mais aqui. Mesmo que mude de forma e não atenda mais pelo seu nome e nem tenha o seu cheiro e seu formato, mas o seu Eu Total, atemporal, infinito e abundante.
“É impossível ser feliz sozinho”, já disse o poeta Tom Jobim. “A felicidade só existe quando é compartilhada”, escreveu Alexander Supertramp em seu diário, em “Into the Wild”.
Eu não ouso discordar.