Quando engravidei de meu primeiro filho, Gael, a coisa que eu mais queria na vida era contar pra todo mundo que estava carregando uma vidinha dentro da minha barriga. Eu queria muito celebrar em bando, porque depois de ter vivido um verdadeiro drama com Ricardo e seu tumor no cérebro*, sabia que as pessoas que me acompanhavam ficariam felizes em celebrar a vitória do amor sobre o medo e o novo capítulo de nossas vidas.
Quando a gestação já tinha avançado até a décima sexta ou décima sétima semana, tempo suficiente para me adaptar minimamente à minha nova vida, lá fui eu anunciar aos seguidores nosso primeiro milagre. Mas mais do que simplesmente falar sobre o acontecido e seguir adiante com minha vida, eu queria – na verdade ansiava – por compartilhar as percepções e insights que a gestação estava me trazendo.
Verdade seja dita: a gravidez acabou comigo. Do dia para a noite eu me tornei uma pessoa irritada e mal-humorada, sem entender direito o que estava acontecendo. Eu já era bastante ativa nas redes sociais, e coisas que eu sempre tirava de letra (como lidar com críticas negativas e conselhos não solicitados) simplesmente eram capazes de me tirar do sério. Se lia algo de que não gostava, tinha que contar até 200 antes de começar alguma discussão nas redes sociais e sair repetindo o mantra “não gosta de mim então deixa de seguir” a torto e a direito.
A verdade é que eu me sentia péssima. Meu cabelo ficou uó, meus peitos dobraram de tamanho e, de repente, não cabiam mais dentro de nenhum top ou sutiã. Minha pele virou uma mistura de acne e ressequidão como nunca na vida, e eu passei a me sentir a pessoa mais horrorosa do planeta Terra – isso sem falar no medo constante de abortar que me acompanhou durante toda a gestação. Para quem havia ansiado tanto por estar grávida, eu me sentia caindo do cavalo: apesar de toda a alegria e gratidão, me sentia uma estranha dentro de minha própria vida.
Eu passei a detestar toda e qualquer mulher que aparecesse plena, barriguda, de unhas pintadas e pele hidratada no meu feed das redes sociais. Conforme a barriga ia crescendo, ia ficando cada vez mais intolerante com os “ensaios de gestante” que mostravam ninfas barrigudas trajando esvoaçantes nude e coroa de flores na cabeça, sentadas em um balanço à là “Senhor dos Anéis” no meio da Natureza. Eu me sentia o oposto das coroas de flores e esvoaçantes nude em balanços, e fiz aquilo que sempre fiz em minha vida nas redes sociais: desabafei a respeito.
Em troca, tomei uma enxovalhada de críticas e broncas.
Aos olhos de uma boa parte de minha audiência, eu era uma mal-agradecida. “Se você soubesse o que é enfrentar um tratamento para fertilização artificial não estaria reclamando”, “se você tivesse perdido seu bebê na X semana de gestação queria ver se escreveria desta forma sobre estar grávida” e “espero que você nunca fique viúva durante a gestação” foram algumas coisas que ouvi na época. E, óbvio: eu não tinha preparo emocional nenhum para lidar com nenhum destes feedbacks, vazando hormônios pelas orelhas da forma que estava e com tantas transformações acontecendo não apenas no meu corpo, mas também na minha vida.
Durante muito tempo (e arrisco dizer: boa parte dos três anos de vida de Gael), vivi verdadeiros “dramas” em silêncio. Quando ele nasceu, em um parto normal humanizado, simplesmente não me senti à vontade de compartilhar sobre minhas percepções porque mal tinha condições de colocar o que se passava dentro de mim no papel – quanto mais receber feedbacks negativos. Na única ocasião em que compartilhei que parte de mim se culpava por não ter suportado o parto sem pedir por anestesia, recebi tantos comentários julgamentosos em troca (“nossa, como se não bastasse ser normal ainda tem que ser na base da dor? O que te faz pensar que agir assim te faz superior a uma mulher que escolhe uma cesariana?” – tipo isso) que simplesmente não toquei mais no assunto.
Eu beirei uma depressão pós-parto em silêncio, por não me sentir digna de compartilhar os sentimentos contraditórios que sentia sem alguém comentar o quanto eu estava sendo mal-agradecida e reclamona (“queria ver se seu filho tivesse tido paralisia cerebral no parto, aí sim você teria do que reclamar”). Quando, ao um ano e meio de Gael, eu me mudei para o interior e resolvi dar um tempo do trabalho com grupos nos retiros e workshops porque queria ter mais tempo e qualidade de vida para viver minha vida em família, ouvi que ter filhos não era justificativa para me isolar do mundo (“queria ver se você fosse CLT e dependesse de transporte público, se ia poder se dar ao luxo de escolher onde quer morar e abrir mão de renda desse jeito”).
Eu não me considero uma perseguida não – eu simplesmente entrei em contato com o fabuloso e desgraçado mundo das projeções maternas. E, ao longo dos últimos três anos, fui aprendendo tanto sobre este mundo quanto me foi possível, porque poucas coisas mexem tanto com o imaginário popular quanto a figura de uma mãe. Poucas coisas afetam tanto a forma como as pessoas se sentem em relação a seus preconceitos, defesas e idealizações como essas coisas: parto normal x cesárea, amamentação x uso de fórmulas, chupeta x dedo, berço x cama compartilhada, pega o bebê no colo x deixa chorar para aprender a dormir a noite toda. É só compartilhar a sua experiência para receber todo o tipo de “conselho”, é só você ter um filho para qualquer pessoa se transformar em nutricionista infantil, pediatra, psicólogo ou estudioso do comportamento infantil.
E se você está grávida ou tem um bebê pequeno, poucas coisas podem ser mais invasivas do que receber estes “conselhos” – que nada mais são do que projeções disfarçadas de “falo para o seu bem”.
Na última quarta-feira, dia 4 de julho, completei 20 semanas de minha segunda gestação – uma gestação tão aguardada e esperada quanto a primeira e que, ontem, alcançou sua provável “metade” (já que uma gestação normal dura aproximadamente 40 semanas). Tem sido uma gravidez bem diferente da primeira, em parte porque não sou mais “novata” no assunto, em parte porque estar grávida ao mesmo tempo em que tenho um filho de 3 anos me deixou bem mais prática e voltada para o concreto do que experienciei da primeira vez.
Na verdade, absolutamente tudo nesta gestação está sendo atípico – desde minha internação por H1N1 às 17 semanas de gestação, que me fez dar a notícia aos seguidores de modo completamente atropelado, à minha surpreendente capacidade de manter o equilíbrio diante da maluquice hormonal que, percebo eu, não foi algo restrito à minha primeira experiência gestacional (bem como a ressequidão na pele e as espinhas horrorosas que de repente ganhei – acho que os hormônios da gestação e eu simplesmente não combinamos, rs).
Mas a verdade é que eu tenho tido uma capacidade muito maior de lidar com os efeitos adversos da gestação do que quando fiquei grávida de Gael – o que inclui os feedbacks que estou recebendo a cada partilha que faço sobre minha experiência.
Se antes eu me sentia completamente desequilibrada, postava compartilhando sobre a idealização acerca da maternidade e recebia o feedback de “pare de reclamar porque muitas pessoas queriam estar vivendo o que você está vivendo”… Agora, que me sinto mais “dona” de mim e de minhas emoções e tenho compartilhado mais meus insights sobre os aprendizados e a evolução que a maternidade me traz, tenho recebido comentários do tipo “a maternidade não é o único caminho para a evolução, eu não quero / não posso / não sei ainda se quero ter filhos, quer dizer então que nunca vou viver este processo todo que você está falando se resolver permanecer ‘não-mãe’?”.
Evidentemente: quase quatro anos se passaram desde que engravidei pela primeira vez, o cenário de minha vida tanto pessoal quanto profissional hoje é totalmente outro e, hoje, conto com vários recursos de autoconhecimento e desenvolvimento pessoal (dentre eles todos os conteúdos do Portal Despertar **). Tudo isso me faz olhar, receber e sentir os comentários e feedbacks que recebo todas as vezes em que posto sobre este assunto de uma forma totalmente diferente. Acho que muito dificilmente vou deixar de compartilhar o que quer que seja por conta do medo das opiniões alheias, mas de uma coisa tenho cada vez mais certeza:
Nós, mulheres, temos muito mais a aprender umas com as outras do que podemos imaginar a princípio. E eu, que nunca na vida tinha me considerado feminista até muito recentemente, percebo uma necessidade absolutamente urgente de espalharmos o conceito de sororidade e pararmos de julgar e criticar mulheres que agem / pensam / escolhem coisas diferentes das nossas.
Nós não somos ensinadas a cuidar umas das outras – muito pelo contrário. Desde muito cedo somos ensinadas a competir pelo lugar de quem é a mais bonita, popular, inteligente e bem-sucedida dentre as demais. Dizem por aí que as mulheres não se arrumam para outra pessoa que não sejam outras mulheres, e não estou aqui falando das manas que se relacionam amorosamente com outras manas; falo de como precisamos estar “à altura” das outras em festas, eventos e acontecimentos sociais. Nós somos condicionadas a nos comparar umas com as outras, e como toda comparação tem como consequência a frustração (já que estamos sempre comparando nossos “bastidores” com o “palco” de outra pessoa), temos a tendência de nos identificarmos sempre com a posição de inferioridade.
Então nossas escolhas nos tornam “menos” do que a mulher que está do nosso lado.
Em 1997, a neurocientista dinamarquesa Bente Pakkenberg, da Universidade de Copenhague, publicou um estudo no “Journal of Comparative Neurology”, apontando que nós mulheres temos, em média, 4 bilhões de neurônios a menos do que os homens – e esta é justamente a explicação do porquê de sermos mais inteligentes emocionalmente do que eles. Para compensar a falta de neurônios, nossos cérebros acabam fazendo muito mais sinapses e conexões entre hemisfério direito e esquerdo, o que explica nossa maior capacidade de análise das emoções – bem como de agir de forma estruturada diante daquilo que sentimos.
Ou seja: nós conseguimos fazer a lista do mercado e falar ao telefone ao mesmo tempo – imagine como seria o mundo se conseguíssemos, da mesma forma, observar uma escolha feita por uma outra mulher, que destoa da nossa, ao mesmo tempo em que observamos nossos traumas, dores e sensações de inferioridade… Sem atacarmos umas às outras? Imagine como nossas vidas mudariam se não criticássemos o corpo de uma outra mulher? Se não julgássemos umas às outras pelas roupas que usamos ou pela nossa personalidade?
Imagina, mana, que louco?
Nós, enquanto irmandade, ainda temos muito o que evoluir e nos desenvolver. Mas eu acredito que esta seja a única direção possível de crescimento real da sociedade humana como um todo. Vai ser apenas quando conseguirmos nos dar as mãos e entender que a dor de uma de nós é, de inúmeras formas, a dor de todas, que vamos ser capazes de, conscientemente, transformar este mundo.
Como diz a célebre frase de Christabel Harriette Pankurst, sufragista inglesa fundadora da Women’s Social and Political Union (WSPU): “É nosso dever tornar este mundo melhor para as mulheres”. Não apenas para as mulheres, é verdade. Mas, como tais, nós temos este dever: nos curarmos de todos os condicionamentos, dores e traumas relativos ao feminino, entendermos que não é porque uma de nós escolhe ser ou não ser mãe, dar o peito ou não dar o peito, trabalhar fora ou não trabalhar fora ou, simplesmente, usar uma roupa ou outra, que isso queira dizer que as nossas escolhas são erradas ou que estejamos em uma posição de inferioridade.
Ninguém é “menas mulher” por conta de suas escolhas.
E vai ser apenas quando nos tornarmos capazes de dar as mãos e olhar na mesma direção que vamos ser capazes de construir uma humanidade mais humana de fato. Não antes, nem depois.
Que comecemos hoje.
Cada pequeno passo conta!
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