EU ME TORNEI INVISÍVEL

Eu me tornei invisível.

Num dia, todo mundo me via, me paparicava. Me davam o lugar no metrô. Olhavam para mim e perguntavam: “pra quando é?”.

Pra quando era. Eu deveria ter percebido.

Mulheres, desde muito novas, são ensinadas a serem vistas. Cores fortes, cabelos amarrados com fitas. Brincos nas orelhas. Os meus primeiros furos nas orelhas vieram com pouco mais de 12 ou 13 anos. Me lembro dos brincos comprados em feirinha hippie, que me adornavam e passavam uma ideia de quem eu era. Tinha vários, cada um combinando com o “mood” do dia. Há alguns anos uso apenas uma bolinha de prata nas orelhas, porque assim é a vida de mãe. A menos que se queira que as crianças, ainda pequenas, rasguem orelhas.

Minhas orelhas estão intactas; minha identidade, no entanto, beira os farrapos.
Eu deveria ter percebido.

Eu deveria ter percebido quando me perguntavam se ele estava ganhando peso e não notavam as minhas olheiras escuras. Afinal, se espera que uma mãe de recém-nascido esteja degringolada. Todo mundo sabe das noites insones, todo mundo imagina que botar leite pelos peitos não é tarefa tão simples – todos sabem do que custa aquele bebê gordinho. No momento em que dá a luz, seu bebê passa a ser seu troféu – não importa a quantidade de cicatrizes que se traz nas tetas, nas costas, na alma.

E não se pode falar sobre isso.
Todas as mães são invisíveis.

Nosso Ego concorda com isso – afinal, existe mérito maior do que fabricar e gestar um ser humano do quase nada? Fazer crescer aquela vida dentro de você, suportar os enjoos, a interminável vontade de fazer xixi. Pensar em sexo às três da tarde e, às oito da noite, não conseguir nem se imaginar levantando do sofá enquanto o episódio da NETFLIX não te derruba no ringue. Passar por um parto, seja ele qual for, correndo os riscos inerentes a dar à luz um outro ser humano.

E, de repente, você tem um filho. Você não é nada menos do que FODA.
Ao mesmo tempo, existe um luto, um deixar morrer que só quem passa sabe.

Só quem passa sabe.

Eu fui devidamente nocauteada pelo meu segundo puerpério. Eu deveria ter percebido, mas não percebi e quando o fiz estava pedindo a toalha. Na segunda semana de vida de Dante eu estava tão desesperada por me sentir melhor que procurei, no mesmo dia, 5 profissionais diferentes, devidamente qualificados. Um deles, o pediatra antroposófico de Dante, me passou uma fórmula. Dos cinqüenta minutos de consulta, 15 foram sobre Dante, que estava ótimo, feito de ouro. O restante da consulta foi sobre mim. Sobre meus peitos destruídos. Sobre minha pressão de 18×10. Sobre minhas crises de choro mais constantes do que o normal e minha absoluta certeza de que eu morreria.

Eu morreria, aos 40 anos de idade, deixaria dois filhos pequenos e um marido viúvo que teria que recomeçar sua carreira profissional em uma área completamente diferente da qual vem se dedicando desde que começamos a namorar e optamos por ele trabalhar comigo. Nas mamadas de madrugada eu pensava em qual amiga bacana eu iria aproximar de Ricardo para que ele e meus filhos fossem cuidados por alguém em quem confiasse e amasse. Minha melhor amiga tinha morrido há apenas dois meses e, de todas as pessoas do mundo, eu só queria ouvir os conselhos dela.

Na primeira consulta com o psicólogo escolhido, só chorei.

E foi assim que eu abracei minha depressão pós-parto.
E estou escrevendo este BLOG porque simplesmente precisamos falar sobre isso.

A depressão pós-parto fez estragos, mas eu estou aqui: minha pressão voltou aos 10×6, meus mamilos cicatrizaram, eu me acostumei à privação de sono. E, inacreditavelmente, eu me sinto uma pessoa melhor. Melhor com meus filhos, com meu marido. Melhor com as pessoas que trabalham comigo. Melhor com meu conhecimento sobre mim mesma e processos que eu desconhecia totalmente mas que, na surdina, já vinham acontecendo há muito tempo.

Eu tenho descoberto que este puerpério, um dia, vai ser considerado uma das maiores bençãos da minha vida.

E a minha vontade de falar sobre isso vem mais do que apenas da minha experiência. Vem de insights poderosos que eu tive sobre a minha própria mãe e sobre as outras mulheres. Da percepção astuta que venho desenvolvendo sobre o Universo do feminino, do que significa ser mulher para além das preocupações diárias com aparência física, peso, pele, cabelos, namorado. Vem de um lugar no qual me sinto apta a ensinar outras pessoas sobre caminhos obscuros de cura. Sobre lugares sofridos de nossa existência, sobre traumas de infância – e, veja: todos nós os temos.

E a origem de cada um de nossos traumas pode ser resumido a isso: todas as mães são invisíveis.
Por isso: enxergue as mães. Sejam elas quem forem.
Enxergue as mães.

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Sobre

É psicóloga e uma das maiores vozes brasileiras do autoconhecimento e da liberdade emocional na internet. Desde 2012, impacta diariamente a vida de mais de 400 mil pessoas através de seus canais nas redes sociais e de seus 3 livros publicados. Flavia está na lista das 14 YouTubers brasileiras para conhecer e acompanhar, segundo o jornal O Estado de São Paulo, e seu primeiro livro, Sua Melhor Versão – Desperte para uma nova Consciência, foi best-seller no Brasil, estando nas principais listas de títulos mais vendidos. Com mais de 8000 alunas, conduz pessoas a se conhecerem e se reconectarem com quem realmente são para construir uma vida mais leve nos relacionamentos consigo mesmas e com os outros.