A casa baguncada

A CASA BAGUNÇADA

Eu me tornei o tipo de pessoa que, um tempo atrás, eu encheria a boca para julgar. Os cabelos em um eterno coque, a roupa repetida por dois ou três dias, a casa bagunçada.

A casa bagunçada.

Há alguns anos, lembro-me de ter me espantado quando uma amiga mandou, no grupo do whatsapp, uma foto da sala de sua casa. Brinquedos e roupas espalhados por absolutamente todos os cantos. Lembro-me de ter pensado, “eu nunca conseguiria morar num lugar assim”.

Hoje, sou eu quem vivo em meio à bagunça.

Ela tinha dois filhos. Ela me disse, “prefiro a bagunça do que viver constantemente estressada”, e eu me lembro de rir internamente daquela aparente incapacidade de estabelecer limites às crianças. “Não vai ver TV antes de arrumar o quarto” me parecia muito mais fácil de ser colocado em prática antes de ser mãe.

Antes de ser mãe.

“Eu era uma ótima mãe; até ter filhos” – diz aquela frase. Eu sempre tinha uma resposta pronta, um julgamento oculto, uma risadinha de canto de boca de quem sempre faria melhor do que aquela mãe estava fazendo. Não sei de onde veio tanta arrogância, quem sabe um dia descubro na terapia que voltei a fazer pra aprender a relaxar quando o almoço não sai antes das três da tarde. A terapia que procurei quando as roupas e brinquedos espalhados dentro de mim passaram a ser insuportáveis, porque tudo deveria estar sendo diferente.

Eu deveria estar sendo diferente.
Dante deveria estar sendo diferente.
Gael deveria estar sendo diferente.
Ricardo deveria estar sendo diferente.

A casa deveria estar diferente. As roupas deveriam estar todas guardadas, naquelas gavetas que minha mente me dizia que eram as mais adequadas. Mas Gael e Dante e Ricardo e a vida insistiram em me detonar as certezas que eu cuidadosamente havia preparado para o meu segundo puerpério – não sei de onde veio tanta arrogância, mas de repente a bagunça externa passou a ser o preço a ser pago para que a bagunça interna cesse.

Os almoços passaram a ser às três da tarde.

E eu me surpreendi quando vi um Gael mais relaxado e feliz almoçando (melhor) às três da tarde, quando Ricardo passou a respirar mais fundo e melhor mesmo com a louça acumulada na pia – e eu passei a me odiar menos com a casa toda bagunçada do que com todas as roupas em suas devidas gavetas, físicas e mentais.

Cada roupa pendurada em uma cadeira tem, por trás, a escolha por um sorriso de criança. Existe uma brincadeira por trás de cada prato empilhado na pia. Momentos de descanso no sofá com o pé pra cima nas migalhas de pão no tatame da sala, treinos de natação com Gael na piscina por trás de cada almoço às três da tarde e muitos sorrisos de Dante seguidos de leite voltando no ombro dos vestidos que uso por dois ou três dias, sem nem me dar conta – porque o tempo para escolher uma nova roupa é melhor aproveitado sentindo o cheirinho de azedo em seu pescoço segundos antes de nos tornarmos um só em uma nova mamada.

Eu me tornei a mãe de dois que prefere a casa bagunçada do que viver constantemente estressada e, olhando hoje à minha volta, percebi o quão poética essa bagunça externa pode ser.

Nem sempre a casa bagunçada reflete um mundo interno de cabeça pra baixo, como dizem esses compêndios de psicologia que a gente lê na faculdade.

Às vezes, reflete apenas uma família feliz.

Sobre

É psicóloga e uma das maiores vozes brasileiras do autoconhecimento e da liberdade emocional na internet. Desde 2012, impacta diariamente a vida de mais de 400 mil pessoas através de seus canais nas redes sociais e de seus 3 livros publicados. Flavia está na lista das 14 YouTubers brasileiras para conhecer e acompanhar, segundo o jornal O Estado de São Paulo, e seu primeiro livro, Sua Melhor Versão – Desperte para uma nova Consciência, foi best-seller no Brasil, estando nas principais listas de títulos mais vendidos. Com mais de 8000 alunas, conduz pessoas a se conhecerem e se reconectarem com quem realmente são para construir uma vida mais leve nos relacionamentos consigo mesmas e com os outros.