Eu nunca tinha perdido alguém realmente próximo. Quer dizer, vivi alguns lutos. Não tenho nenhum dos avós vivos, perdi um primo muito jovem, quando ele tinha 21 anos e eu, 13. Alguns amigos dos meus pais por quem eu nutria um grande carinho já se foram. Mas eu nunca tinha perdido alguém que realmente tivesse feito profundamente parte da minha vida.
Eu nunca tinha perdido; mas, neste final de semana, perdi.
Minha melhor amiga morreu, e este texto é apenas mais uma das minhas inúmeras tentativas de elaborar um pouco melhor o que houve e, quem sabe, falar sobre algo que muitos de vocês vivem me pedindo para falar: colocar a teoria na prática e ser capaz de, de fato, exercitar todo o autoconhecimento.
Quando eu recebi a notícia de seu falecimento, às 19h30 da sexta-feira passada, eu chorei muito. A Gi estava muito mal fazia algum tempo, indo e vindo de hospitais sem encontrar alívio para as fortes dores que dois tumores na coluna pressionando a medula e metástases variadas pelo corpo estavam causando. Nas duas últimas semanas, um lado de seu rosto havia ficado paralisado, e ela havia começado a evacuar sangue, sugerindo que mais metástases tivessem acometido o trato digestivo e o cérebro.
Então quando eu recebi aquela ligação, apenas uma hora e meia depois de ter deixado o hospital onde havia passado a tarde com ela, uma parte de mim chorou de gratidão. Ela estava sedada há vinte e quatro horas, mal conseguia respirar. Na visita, eu havia segurado sua mão e percebia que, por mais “chapada” que ela estivesse, ela não estava inconsciente. Eu falava, ela apertava a minha mão. Fazia expressões com a metade do rosto que não estava paralisada. Em alguns momentos, parecia sentir dor – em outros, parecia que ia abrir a boca para falar. Em duas ou três situações, senti nitidamente que ela estava pedindo ajuda. A morte era o que de mais humano qualquer um de nós podia desejar para ela.
Mas nem por isso o processo de luto tem sido menos sofrido.
Eu acho que parte deste sofrimento vem do fato de estar constantemente colocando a minha mente como “carro-chefe” do processo de aceitar o que aconteceu. E a minha mente não aceita. A minha mente fica P da vida, ela repete incessantemente o mantra “não faz sentido”, esquecendo que para alguma coisa fazer sentido é preciso, antes, senti-la. Mas a minha mente não quer saber de sentir nada – não quis saber de sentir nada durante todo o processo de adoecimento da Gi.
Assim que soubemos que existiam metástases, lá me coloquei eu: no lugar da “resolvedora” dos problemas, postando sobre o caso nas redes sociais, pedindo ajuda de terapeutas que pudessem atendê-la. Quando foi decidido que ela ia se submeter ao Square One, protocolo de alimentação para cura de pacientes com câncer, lá fui eu comprar cúrcuma e clorella pelo mercado livre, como se não houvesse amanhã. Posso dizer o preço do quilo da cenoura e da maçã orgânica em três ou quatro feiras de São Paulo, de cabeça. Durante os dois últimos meses, eu FIZ muita coisa, talvez na tentativa inútil de me sentir no controle de alguma coisa. Eu fiz muito, mas muito pouco senti. E cá estou eu e minha mente tola querendo que as coisas façam sentido para, assim, ser capaz de lidar melhor com a dor inevitável deste processo.
Bobagem.
Se você é uma pessoa que também tem dificuldade de colocar na prática todas as coisas bacanas que na teoria te fazem sentido, questione-se: será que você também tem a tendência de dar muito mais importância pra sua cabeça do que pro seu sentir? Será que a sua mente também te mente dizendo que vai ser através dela que você vai resolver os problemas da sua vida?
Eu identifiquei esse padrão muitas vezes na minha vida, e acredito fortemente que viver a vida deixando a mente me levar é o meu BIG TOP VACILO DAS GALÁXIAS quando o assunto é colocar o autoconhecimento, o desenvolvimento pessoal e a espiritualidade na prática. Porque as grandes mudanças, as mudanças de paradigma e de atitude em nossas vidas, começam com pequenos passos. Ninguém levanta do chão e sai correndo uma maratona de uma vez – a grande maioria de nós passou pelo engatinhar, ou pelo se arrastar de bumbum, como fazem as crianças que não engatinham. Ninguém é alfabetizado e no dia seguinte escreve um best-seller. Todas as grandes jornadas da vida começaram com pequenos passos que, quando colocados em prática e repetidos consistentemente durante algum tempo, juntos, formaram um grande passo.
Mas, para a mente, nada disso parece ter lógica. A única coisa que faz sentido, para a mente, é pensar. E, com os pensamentos, toda a sorte de – por que não dizer? – babaquices vêm à tona. Porque a mente não funciona no momento presente, ela só funciona através da memória ou do planejamento, passado e futuro, o tempo todo. Enquanto o presente escoa entre os dedos, cheio de sensações, emoções e sentimentos.
E eu cretinamente me identifico com tudo isso.
Durante todo o processo de adoecimento da Gi, eu tive basicamente dois tipos de pensamentos. O primeiro se referia aos erros que ela havia cometido e que a haviam jogado nesta doença maldita. Afinal, o que custava cuidar um pouco mais da saúde? Precisa uma pinta crescer 200 vezes o que era no início e começar a sangrar pra filha da mãe correr no médico? Custava ter faltado um dia na porcaria do trabalho pra ir no posto de saúde brigar com alguém? Que porcaria de falta de tempo é essa, que te leva a uma morte dolorosa aos 56 anos de idade, com tanto tempo ainda pela frente?
O segundo tipo de pensamento se tratava justamente sobre o que EU poderia fazer para ter minimamente o controle sobre o que acontecia – tipo sair comprando suplemento e/ou dezenas de quilos de maçã e cenoura por semana.
E ambos os pensamentos eram apenas formas da minha mente se manter no controle da situação – entendendo o que poderia ter sido feito para evitar o que aconteceu e o que eu poderia fazer para que não acontecesse o que todos nós mais temíamos que acontecesse. Enquanto isso, exigia compreender um “sentido” oculto em tudo o que estava acontecendo, fazendo exatamente o oposto do sentir.
Só que, agora, a Gi morreu. E não me resta mais nada a fazer a não ser sentir, sentir, sentir. Não existe mais nada para ser compreendido. Não existe mais sentido algum a ser perseguido através do entendimento. Existe apenas um buraco enorme no meu peito e na minha alma, que dificilmente vai ser preenchido pelas vias racionais.
Então eu resolvi escrever esse texto aqui para o BLOG, porque eu sei que o que mais tem é gente como eu, que vive a vida através da mente ao mesmo tempo em que reclama que não consegue sair das teorias e colocar os ensinamentos na prática – e que, daí, começa a questionar os ensinamentos. Não são os ensinamentos que estão errados. O que está errado é a sua tendência e a minha tendência de achar que o mundo precisa ser mastigado pelas nossas mentes enquanto nossas mentes fazem pouco de qualquer coisa que não seja cientificamente provada, e questionam tudo aquilo que, logo de cara, não se relaciona diretamente com nossos problemas em si.
Como, por exemplo, meu suco verde.
Há alguns anos, na fase da minha vida em que eu me considerei mais equilibrada e centrada, qualquer coisa podia acontecer e bagunçar a minha rotina – mas absolutamente nada me fazia levantar da cama e começar as atividades do dia sem, antes, fazer e beber meu suco verde. Preparar o suco não era uma atividade rápida, porque envolvia lavar muitas e muitas folhas, picar muitas frutas e, então bater tudo no liquidificador em etapas, porque na minha receita de suco verde não vai quase nada de água ou de líquidos, apenas o sumo das próprias frutas trituradas e, depois, coadas no voal.
Eu não me lembro exatamente o que foi que aconteceu para eu parar de tomar meu suco verde todas as manhãs. Acredito que tenha sido minha primeira gestação, quando eu acordava com tanta fome que se não comesse algo minutos após acordar colocava os bofes para fora na privada. O fato é que eu parei de fazer meu suco verde, até umas duas semanas atrás. O que me motivou a retomar o hábito? O câncer da Gi e os conhecimentos sobre alimentação que adquiri nos últimos meses em função de seu adoecimento. Mas o grande ponto da história foi ter percebido como eu me sinto mais sã e emocionalmente estável quando começo o dia tomando um suco verde e quando não o faço. Assim como meditar.
Se você perguntar para a minha mente se isso tem alguma lógica ou explicação racional, ela vai dizer que não. Mas eu faço o meu suco todos os dias pela manhã e sei que eu me sinto melhor depois de bebê-lo, e eu SEI disso porque é o que eu SINTO. Então, apesar de não ser racional para a minha mente começar todos os meus dias com este ritual, mesmo quando estou atrasada para algum compromisso, é algo que faz sentido porque passou pelo meu sentir.
E é exatamente para isso que eu te convido. Para não acreditar em tudo o que a sua mente te diz. Para duvidar de seus próprios pensamentos e colocar em prática pequenas atitudes que, juntas, podem e vão mudar a sua vida.
Eu não preciso te dizer quais atitudes são essas porque muito provavelmente você já deve saber quais são. Todo mundo sabe o que precisa fazer para se sentir melhor. Às vezes é acordar mais cedo. Às vezes é dormir mais. Às vezes é diminuir o ritmo de trabalho, mas aí vem a mente e começa a buzinar um monte de coisas na sua orelha, dando justificativas racionais de por que estas pequenas atitudes são bobas, desnecessárias e sem sentido. Sigo no meu convite: duvide da sua mente. Despreze seus pensamentos e simplesmente: faça aquilo que você sabe que faz sentido para você dentro do seu coração.
E aprenda de uma vez: não fuja do que você sente.
Absolutamente nada na sua vida vai fazer sentido enquanto você não se abrir para senti-las.